25 de março de 2006

a morte da arquitectura - 2


dedicado à Olívia:


Pois, continuando a conversa anterior, não é a secção áurea por si que faz com que certas relações espaciais nos pareçam mais ou menos interessantes. É sim o uso sistemático de uma escala de proporções coerente. Uma escala simples baseada na secção áurea pode ser:

quadrado • secção áurea • quadrado + secção áurea • quadrado + duas secções • etc. (qualquer número é a soma dos dois anteriores)

e usamos essa escala para compôr um edifício, em planta, cortes e alçados. Isto funciona para qualquer arquitectura que se faça - como se sabe, o Corbusier usava extensivamente a secção áurea com os tracées regulateurs, aplicados às fachadas como qualquer templo romano ou neoclássico (já vimos que no Renascimento se usava uma aproximação, e não uma verdadeira escala).

Outra noção muito interessante, ensinada pelo chefe (ele, nisto, é mesmo bom, apesar de aldrabar um bocado de vez em quando - mas como dizia o outro, com classe) é a da divisão de um segmento de recta:
• dualidade - o segmento é dividido em duas partes iguais
• diferenciação - o segmento é dividido em duas partes desiguais
• pontuação - o segmento é dividido em duas partes desiguais, em que uma é muito maior que a outra e deixa de valer por si, mas como um remate da primeira.
Exemplos disto abundam na Natureza e na arquitectura (a primeira deve muito à geometria, ou vice-versa). Uma flor é a pontuação do caule. O capitel é a pontuação da coluna, assim como o rodapé é a pontuação da parede. O umbigo diferencia o corpo humano segundo uma secção áurea. Um edifício composto por dois volumes pode ser diferenciado ou dualizado segundo uma hierarquia entre eles - um mais importante, os dois igualmente significativos, respectivamente.
E com a nossa escala, temos notas suficientes para dualizar, diferenciar e pontuar conforme aquilo que queremos transmitir com a nossa arquitectura (por isso é que ela é arte, e não obra do acaso). A arquitectura modernista, em geral, não tem pontuações - é abstracta, por isso recorre a relações entre volumes ou planos mas evita remates como rodapés ou platibandas.
(continua)
(já agora, apreciam-se comentários - isto é mais para aquilo que o Tiago queria que fosse para uma definição de arquitectura)

8 comentários:

Ss disse...

oi! já agora, quem é o chefe?

sus

mais uma arquitecta portuguesa em terras novaiorquinas

Anónimo disse...

Bom, sobre este assunto (traçados reguladores, secções áureas ou sistemas clássicos de proporções) já tivemos algumas discussões bem animadas!
O que eu penso é que todas estas noções nos ajudam/auxiliam a desenhar um edifício mas não devem ser um fim em si mesmo - ou seja, a arquitectura deve ser uma criação mental, tal como a música ou a poesia,que posteriormente é/será materializada em pedra, betão ou aço.Quando estamos a desenhar os espaços, quando passamos o que está dentro da nossa cabeça para o papel /computador, esta gramática da geometria ajuda-nos da mesma forma que alguém que domina melhor uma língua poderá fazer melhor poesia do que alguém que não sabe escrever.
Como dizia o Kahn, "mediante a ORDEM, o QUÊ; mediante o DESENHO, o COMO."
É evidente que o Siza utiliza, na FAUP, uma série de proporções e relações geométricas que não devem andar muito longe do Fibonacci, mas somente como auxiliar do desenho - é como aquela história do bloco da secretaria e do auditório ser perpendicular ao muro da casa vermelha e tangente a um dos braços do pavilhão Carlos Ramos: certamente não foi por acaso, mas não foi daqui que nasceu a obra...

Alexandre disse...

concordo plenamente com o Tiago. A geometria e' uma meio, nao um fim.

olivia guerra disse...

Dizes-me, então, que só uma escala de proporções coerente pode produzir uma obra de arte… E que essa proporção está vinculada às leis materiais da Natureza e do Homem. Em que medida encontramos, na Natureza, a regra? É esta a obra perfeita e inquestionável de Deus? E, reformulando, a proporção produz experiências espaciais mais interessantes?
Um pensador russo, V. B. Chklovski, disse um dia: "em arte não nos sujeitamos às leis do mundo, mas àquelas
da arte, que está vinculada às leis da consciência".

Anónimo disse...

Eu sei que nao sou para aqui chamado e que em geral o senhor alexandre nao gosta que discorde dele por muitas palavras que da trabalho a ler, logo:

.dizer que a arquitecura moderna nao tem pontuacoes porque e abstracta denota tanto ignorancia da arquitectura moderna, como - isto e perturbador - do conceito de abstraccao. A menos que o senhor alexandre viva num qualquer mundo platonico imanente povoado por circulos e quadrados...

.uma leitura atenta de tudo o que o sec XX produziu de critica ao positivismo e ao racionalismo deveria ser util para certas interpretacoes da natureza baseadas numa concepcao visual do mundo...

.o que nao e o mesmo que dizer que a geometria deve ser um meio e nao um fim. Se tal for, nao vale a pena usa-la de todo. Se a criacao arquitectonica faz a separacao em utensilios para a criacao e a obra criada nao sai da dialetica instrumental matereialista que caracteriza a modernidade. Se ha alguma utilidade na geometria esta residwe no seu simbolismo e nao nha sua pretensa essencialidade fenomenologica.

.ou por outras palavras, viva o Jarry

Alexandre disse...

nice, um post com mais de um comentario...
ok, ja' vi que isto deu pano para mangas, por isso vai continuar mais 'a frente.

Anónimo disse...

mister Lord:
não sei se estaremos a falar de uma "dialéctica instrumental materialista" ou não, a verdade é que quando leio um bom poema ou ouço uma boa música, tenho tendência a esquecer a gramática e as figuras de estilo, para a primeira, e a composição e o ritmo, para a segunda. Obviamente não quer dizer que não estejam lá. Simplesmente digo que não as apreendemos ou, se for efectivamente BOA música e BOA poesia, não as devíamos apreender.

Anónimo disse...

Crissimo Tiago,
Da mesma maneira que tambem a musica tem uma gramatica e figuras de estilo, ou que o poema tem ritmos e composicoes, e' que a estrutura "compositiva" da peca arquitectonica (perceptivel ou nao) nao se resume - como por exemplo na grecia - a uma logica formal geometrica. Ha que entender que a geometria na arq. classica reverte para uma ordem de sentido superior. Isto e, a visao materialista pragmatica da arq contemporanea retira todo o simbolismo da geometria e usa-a como uma especie de estrutura fenomenologica essencial, base compositiva, com o recurso a qual tudo acaba brilhantemente proprocionado. E isto 'e resumir a arquitectura a uma logica de 2+2 igual a quatro.