dedicado à Olívia:
Pois, continuando a conversa anterior, não é a secção áurea por si que faz com que certas relações espaciais nos pareçam mais ou menos interessantes. É sim o uso sistemático de uma escala de proporções coerente. Uma escala simples baseada na secção áurea pode ser:
quadrado • secção áurea • quadrado + secção áurea • quadrado + duas secções • etc. (qualquer número é a soma dos dois anteriores)
e usamos essa escala para compôr um edifício, em planta, cortes e alçados. Isto funciona para qualquer arquitectura que se faça - como se sabe, o Corbusier usava extensivamente a secção áurea com os tracées regulateurs, aplicados às fachadas como qualquer templo romano ou neoclássico (já vimos que no Renascimento se usava uma aproximação, e não uma verdadeira escala).
Outra noção muito interessante, ensinada pelo chefe (ele, nisto, é mesmo bom, apesar de aldrabar um bocado de vez em quando - mas como dizia o outro, com classe) é a da divisão de um segmento de recta:
• dualidade - o segmento é dividido em duas partes iguais
• diferenciação - o segmento é dividido em duas partes desiguais
• pontuação - o segmento é dividido em duas partes desiguais, em que uma é muito maior que a outra e deixa de valer por si, mas como um remate da primeira.
Exemplos disto abundam na Natureza e na arquitectura (a primeira deve muito à geometria, ou vice-versa). Uma flor é a pontuação do caule. O capitel é a pontuação da coluna, assim como o rodapé é a pontuação da parede. O umbigo diferencia o corpo humano segundo uma secção áurea. Um edifício composto por dois volumes pode ser diferenciado ou dualizado segundo uma hierarquia entre eles - um mais importante, os dois igualmente significativos, respectivamente.
E com a nossa escala, temos notas suficientes para dualizar, diferenciar e pontuar conforme aquilo que queremos transmitir com a nossa arquitectura (por isso é que ela é arte, e não obra do acaso). A arquitectura modernista, em geral, não tem pontuações - é abstracta, por isso recorre a relações entre volumes ou planos mas evita remates como rodapés ou platibandas.
(continua)
(já agora, apreciam-se comentários - isto é mais para aquilo que o Tiago queria que fosse para uma definição de arquitectura)
25 de março de 2006
a morte da arquitectura - 2
posto pelo Alexandre às 22:25
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8 comentários:
oi! já agora, quem é o chefe?
sus
mais uma arquitecta portuguesa em terras novaiorquinas
Bom, sobre este assunto (traçados reguladores, secções áureas ou sistemas clássicos de proporções) já tivemos algumas discussões bem animadas!
O que eu penso é que todas estas noções nos ajudam/auxiliam a desenhar um edifício mas não devem ser um fim em si mesmo - ou seja, a arquitectura deve ser uma criação mental, tal como a música ou a poesia,que posteriormente é/será materializada em pedra, betão ou aço.Quando estamos a desenhar os espaços, quando passamos o que está dentro da nossa cabeça para o papel /computador, esta gramática da geometria ajuda-nos da mesma forma que alguém que domina melhor uma língua poderá fazer melhor poesia do que alguém que não sabe escrever.
Como dizia o Kahn, "mediante a ORDEM, o QUÊ; mediante o DESENHO, o COMO."
É evidente que o Siza utiliza, na FAUP, uma série de proporções e relações geométricas que não devem andar muito longe do Fibonacci, mas somente como auxiliar do desenho - é como aquela história do bloco da secretaria e do auditório ser perpendicular ao muro da casa vermelha e tangente a um dos braços do pavilhão Carlos Ramos: certamente não foi por acaso, mas não foi daqui que nasceu a obra...
concordo plenamente com o Tiago. A geometria e' uma meio, nao um fim.
Dizes-me, então, que só uma escala de proporções coerente pode produzir uma obra de arte… E que essa proporção está vinculada às leis materiais da Natureza e do Homem. Em que medida encontramos, na Natureza, a regra? É esta a obra perfeita e inquestionável de Deus? E, reformulando, a proporção produz experiências espaciais mais interessantes?
Um pensador russo, V. B. Chklovski, disse um dia: "em arte não nos sujeitamos às leis do mundo, mas àquelas
da arte, que está vinculada às leis da consciência".
Eu sei que nao sou para aqui chamado e que em geral o senhor alexandre nao gosta que discorde dele por muitas palavras que da trabalho a ler, logo:
.dizer que a arquitecura moderna nao tem pontuacoes porque e abstracta denota tanto ignorancia da arquitectura moderna, como - isto e perturbador - do conceito de abstraccao. A menos que o senhor alexandre viva num qualquer mundo platonico imanente povoado por circulos e quadrados...
.uma leitura atenta de tudo o que o sec XX produziu de critica ao positivismo e ao racionalismo deveria ser util para certas interpretacoes da natureza baseadas numa concepcao visual do mundo...
.o que nao e o mesmo que dizer que a geometria deve ser um meio e nao um fim. Se tal for, nao vale a pena usa-la de todo. Se a criacao arquitectonica faz a separacao em utensilios para a criacao e a obra criada nao sai da dialetica instrumental matereialista que caracteriza a modernidade. Se ha alguma utilidade na geometria esta residwe no seu simbolismo e nao nha sua pretensa essencialidade fenomenologica.
.ou por outras palavras, viva o Jarry
nice, um post com mais de um comentario...
ok, ja' vi que isto deu pano para mangas, por isso vai continuar mais 'a frente.
mister Lord:
não sei se estaremos a falar de uma "dialéctica instrumental materialista" ou não, a verdade é que quando leio um bom poema ou ouço uma boa música, tenho tendência a esquecer a gramática e as figuras de estilo, para a primeira, e a composição e o ritmo, para a segunda. Obviamente não quer dizer que não estejam lá. Simplesmente digo que não as apreendemos ou, se for efectivamente BOA música e BOA poesia, não as devíamos apreender.
Crissimo Tiago,
Da mesma maneira que tambem a musica tem uma gramatica e figuras de estilo, ou que o poema tem ritmos e composicoes, e' que a estrutura "compositiva" da peca arquitectonica (perceptivel ou nao) nao se resume - como por exemplo na grecia - a uma logica formal geometrica. Ha que entender que a geometria na arq. classica reverte para uma ordem de sentido superior. Isto e, a visao materialista pragmatica da arq contemporanea retira todo o simbolismo da geometria e usa-a como uma especie de estrutura fenomenologica essencial, base compositiva, com o recurso a qual tudo acaba brilhantemente proprocionado. E isto 'e resumir a arquitectura a uma logica de 2+2 igual a quatro.
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